terça-feira, 3 de março de 2009
Saudades e cinzas
Boa noite,
Mais uma vez vou pedir licença neste blog para divulgar algo autoral.
O texto abaixo pode ser encontrado em outros dois sites:
http://www.guiadeconcursosliterarios.com.br
http://www.diariodemococa.com.br/
Obrigado!
Saudades e cinzas
O dia mal amanhecia e as sobras da serpentina já se transformavam em um grande emaranhado de sujeira e chorume na beira da calçada. Os pés sujos e cheios de bolhas faziam o contraste com o lençol limpo da cama. O corpo suado por baixo da fantasia agradava ao ser, por mais estranho que isto possa parecer.
As pedras da rua da cidade, o banco da praça, a corneta falecida no bojo da maleta faziam o tom da despedida. As almas voltavam a sua normalidade enquanto os sapatos, camisas e tons sérios vestiam o cotidiano passado. Tudo ficava cinza naquela quarta-feira ensolarada, e por mais que se tentasse não havia como esquecer as fantasias, os sonhos e a vida exacerbada.
Há quem diga que toda esta descrição não passa de uma ilusão, uma festa irracional, não passa de uma vazia exacerbação da libido e da bebida, sem se atentar que pode ser muito mais do que isto.
O carnaval é uma afronta as rígidas regras e ao sistema hierarquizado da sociedade brasileira. Afinal de contas se analisarmos os outros feriados como os militares, católicos e governamentais, notaremos que são apenas dias livres, mas sem grande sentido de comemoração. São dias de formalidades, honrarias e outros méritos que divulgam o status das pessoas, da sociedade e explicitam a hierarquia e um retrato de formal de nós mesmo, enquanto o carnaval se revela como o extremo oposto.
No carnaval todos somos igualitários e, nos quatro dias de festas, transpomos para o mundo real os ideais das relações espontâneas. O carnaval rejeita o sistema social como um todo, criando seu próprio espaço de vida e seus próprios valores durante o período em que acontece.
Muitos dizem que a cultura carnavalesca foi massificada com os grandes desfiles, com os blocos em Salvador divididos por cordões de isolamento, com o repórter em Olinda mostrando o Frevo e o Mamulengo na TV Globo. Eu credito a estes críticos todo meu respeito, e até me solidarizo, mas o sentimento provocado nas milhões de pessoas que se inebriam de prazer e felicidade, as ruas cheias de cantorias e alegria, ainda é o prioritário em toda esta discussão.
Não acredito na fracassomania que alguns críticos têm da cultura brasileira. Que o carnaval – mesmo espontâneo e criativo – que gera lucro seja tão ruim assim. Ou vamos preferir que o Brasil seja um país que tenha sempre sua cultura aliada a pobreza e a miséria? Ou não podemos aproveitar nossa cultura para movimentar a economia e transformar ainda mais o país?
A sociedade arde no fogo do carnaval e isto é um fato consumado. Grandes manifestações legitimamente brasileiras acontecem ao ritmo desta festa. Soem as trombetas das marchinhas, a guitarra do axé, o surdo das baterias. Quem quiser que pegue suas malas e se esconda em algum lugar. A quarta-feira é de cinzas, mas a quinta-feira será sempre de esperança.
“Quem me dera viver para ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais”
Vinícius de Moraes e Carlos Lyra
Texto de Renato Rotta
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3 comentários:
Renato,
Para ser sincera eu não sou a mais apreciadora de tal filosofia ou ritmo musical, se é assim que posso chamar.
Mas devo confessar que você escreve de forma encantadora, simples e com a sua alma. São por essas razões que venho acompanhando seu blog com certa frequência.
Este texto, por exemplo, é envolvente e me fez refletir demasiadamente sobre o tema.
Parabéns,
Vanessa Rocha
Boa noite,
Obrigado pela mensagem Vanessa.
Mandou bem! Gostei da contraposição de idéias bem encadeadas!
Nada como uma inspiração carnavalesca...
Augusto.
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